Quando falamos de finanças corporativas, especialmente em valuation de empresas, ouço muito sobre o indicador EBITDA. Quem nunca ouviu falar, por exemplo, em múltiplos de EBITDA na hora de fazer o valuation de uma empresa?
Mas quem me conhece sabe que não sou fã do EBITDA na hora de analisar o desempenho de uma empresa e costumo dizer que o EBITDA é poderoso por fora, mas vazio por dentro.
Apesar de ser uma métrica muito utilizada (ainda que controversa), o EBITDA não é a melhor escolha quando falamos em valuation ou na tomada de decisões estratégicas de uma empresa.
No decorrer deste artigo, vamos falar sobre o uso desse índice na avaliação e na gestão de empresas, tentando demonstrar da melhor forma que o EBITDA está longe de ser o “santo graal” que muitos afirmam.
E finalizando a introdução, deixo aqui um questionamento: será que o indicador financeiro mais famoso é, na verdade, uma cilada?
O que é EBITDA e por que é tão popular?
Acredito que você já saiba a resposta, caso esteja lendo este post, mas para quem não sabe, EBITDA significa (em inglês) Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization ou, em português, LAJIDA (Lucro antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização).
Um dos motivos que levam o EBITDA a ser uma métrica financeira tão conhecida é sua simplicidade, que, em tese, permite comparar empresas sem levar em consideração a influência das estruturas de capital, assim como de regimes tributários diferentes.
Muitos analistas de valuation por aí utilizam o EBITDA como uma proxy para fluxo de caixa, justamente para tentar medir a eficiência da empresa, ou seja, quanto maior seu EBITDA (e seu crescimento anual), melhor.
Outro uso muito comum é fazer o valuation de empresas através da avaliação relativa, ou método dos múltiplos. Quem nunca ouviu falar em múltiplos de EBITDA? Ou a famosa frase: “aquela empresa vale 4x seu EBITDA”.
Opinião de Warren Buffet sobre o EBITDA
Escrever brevemente sobre o significado de EBITDA e seus usos mais comuns me fez lembrar da famosa frase de Warren Buffett, registrada em um dos relatórios da Berkshire Hathaway, falando especificamente sobre esse indicador:
“A gestão acha que a fada dos dentes paga pelas despesas de capital? Além disso, não consideramos o chamado EBITDA uma medida ideal de desempenho.” Warren Buffet
Já Charlie Munger, grande companheiro de negócios de Buffet, e que faleceu recentemente, foi um pouquinho além na hora de criticar o EBITDA:
“Acho que, toda vez que você vê a palavra EBITDA, deveria substituí-la por ‘lucros de mentira’.” Charlie Munger
E essas são as palavras de dois dos maiores investidores que o mundo já conheceu.
EBITDA não é fluxo de caixa ou geração de caixa
De tanto ouvir falar, por muitos e muitos anos eu também acreditei que o EBITDA representava a geração de caixa da empresa. Até parecia fazer sentido: afinal, ao desconsiderar depreciação e amortização (dois itens que não impactam o caixa), o indicador poderia se aproximar do fluxo de caixa operacional.
E, pelo visto, por muitos anos eu continuei enganado. O EBITDA, na melhor das hipóteses, é uma estimativa grosseira que não equivale ao dinheiro que entra no caixa.
Além disso, o EBITDA já foi utilizado várias vezes em fraudes contábeis, pois uma empresa pode demonstrar uma falsa perspectiva sobre a efetiva liquidez, enquanto o caixa derrete na realidade.
Para que possamos entender melhor como o EBITDA falha como proxy de caixa, basta um raciocínio básico: ele deriva do regime de competência, e não do regime de caixa.
Ou seja, reconhece receitas e despesas quando incorridas, não importando se o dinheiro entrou ou saiu de fato.
O EBITDA ignora variações no capital de giro, como, por exemplo, aumento de estoques e inadimplência de clientes.
Com base nisso, podemos imaginar dois cenários diferentes:
- Empresas com EBITDA alto, mas que não tem 1 real no caixa;
- Ou ainda empresas que precisam de empréstimos para cobrir gastos básicos e que, sem eles, não sobreviveriam, enquanto exibem um EBITDA positivo em seus documentos e demonstrações financeiras.
Resumindo o que falamos: confiar somente no EBITDA é como tentar medir a real situação da empresa, que, em tese, parece bem, mas que, por dentro, sofre hemorragias.
EBITDA ignora investimentos importantes
Uma das coisas que mais impactam negativamente a utilidade do indicador é que ele não consegue refletir os investimentos necessários para manter a empresa operando.
Apesar de o EBITDA varrer para debaixo do tapete a depreciação, que é uma medida contábil nem sempre extremamente útil, os investimentos em CAPEX (investimentos em bens de capital), como máquinas e equipamentos (que são despesas reais), não são capturados pelo EBITDA.
Exatamente por isso a frase citada acima de Buffett: “será que a administração acha que a fada do dente paga pelos investimentos em bens de capital?”
O EBITDA permite, por exemplo, que uma empresa esteja “empurrando com a barriga” investimentos que serão necessários, apenas para manter o EBITDA alto.

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Cedo ou tarde, máquinas quebram, empresas precisam de manutenção e, se a diretoria planeja uma expansão, investimentos serão necessários.
Impostos e dívidas são ignorados (mas o caixa sente)
E se eu te dissesse que, além de ignorar investimentos importantes (CAPEX) e capital de giro, o EBITDA também ignora impostos sobre o lucro e o custo da dívida?
Por definição, ele é calculado antes de impostos e juros. Isso significa que uma empresa pode ter um EBITDA impressionante e, ainda assim, apresentar prejuízo líquido ou fluxo de caixa negativo após pagar o Fisco e os credores.
Pagar impostos, apesar de não ser agradável, é uma saída real de caixa, e o EBITDA finge que ela não existe.
Outro ponto importante é que empresas alavancadas podem apresentar um EBITDA alto, mas estarem afundadas em dívidas e no pagamento de juros.
Consegue imaginar uma empresa altamente endividada que apresenta um EBITDA de 500 milhões de reais (impressionante, não?), mas que paga 400 milhões em juros anuais das suas dívidas e mais 150 milhões em impostos sobre o lucro?
E o que isso quer dizer?
Quer dizer que a empresa apresenta um EBITDA impressionante de 500 milhões, mas que, na realidade, gera prejuízos.
Efeito manada: por que profissionais insistem no EBITDA?
Eu, particularmente, tenho uma teoria de que grande parte dos profissionais da área de finanças e valuation utiliza o EBITDA apenas por efeito manada e comodidade.
O mercado financeiro, assim como qualquer outro, possui tradições e práticas herdadas, e acredito que o uso do EBITDA se tornou um hábito enraizado.
Muitos profissionais o utilizam de maneira mecânica em seus trabalhos, até porque é fácil de explicar (como, por exemplo, o múltiplo de EBITDA para fins de valuation, que ainda é muito popular).
Apesar de eu não gostar do indicador, ele permite, de certa forma (e há uma explicação técnica para isso), eliminar efeitos de financiamento e diferenças contábeis, o que ajuda a comparar empresas de diferentes setores e localizações.
Mas ainda acredito que essa métrica é usada mais por comodidade e como uma muleta intelectual.
Por que não utilizar EBITDA para fins de valuation
Não é nenhuma novidade que o objetivo do valuation é estimar o valor real de uma empresa (especialmente quando falamos do método do fluxo de caixa descontado), considerando todas as complexidades e particularidades do negócio.
E é justamente nesse ponto que o EBITDA se mostra totalmente ineficiente (para dizer o mínimo).
Ele ignora impostos sobre o lucro, desconsidera as necessidades de reinvestimento (CAPEX), não reflete variações no capital de giro e ignora completamente o custo do endividamento.
É como dizer: “olha, minha empresa é lucrativa se eu não considerar os impostos sobre o lucro que sou obrigado a pagar, também desconsiderando qualquer investimento importante, esquecendo variações no capital de giro e sem levar em consideração as dívidas (e o custo delas)”.
Parece razoável? Para mim, não.
O EBITDA tenta apurar um lucro hipotético que não existe na prática.
Avaliar uma empresa pelo EBITDA é como estimar a autonomia de um carro ignorando o consumo de combustível, a necessidade de manutenção e o custo de rodagem.
Parece bonito no papel, mas não sobrevive ao mundo real.
Quais indicadores usar no lugar do EBITDA?
Se o objetivo é enxergar o valor real de uma empresa, é preciso abandonar de vez o conforto ilusório do EBITDA. Em vez dele, quem leva valuation a sério deve focar em indicadores que olham para o que realmente importa: a capacidade da empresa em “botar dinheiro no bolso dos sócios” e pagar os demais provedores de capital.
O principal deles é o Fluxo de Caixa Livre para Empresa (FCL ou FCLE).
De acordo com Assaf Neto, o Fluxo de Caixa Livre representa o valor de caixa que a empresa é capaz de gerar após cobrir todas as suas despesas, investimentos em ativos fixos e necessidades de capital de giro. Em resumo, o FCL é o caixa excedente disponível além do necessário para financiar os investimentos e sustentar o crescimento da empresa.
O Fluxo de Caixa Livre para a Empresa pode ser entendido como o excesso operacional de caixa que fica disponível para ser destinado aos credores e acionistas (no caso, os sócios). Ou seja, é o que efetivamente “sobra” depois que a empresa paga suas despesas e reinveste o necessário para manter e expandir suas operações.
Mas para quem não se sente confortável em utilizar o FCL, o bom e velho EBIT é uma boa opção, assim como o NOPAT.
Quando o EBITDA engana: fraudes utilizando o indicador
Vou citar dois casos que ainda estão na memória das pessoas, pois foram muito famosos, ambos virando séries ou filmes.
O caso WeWork: como o EBITDA virou fantasia
A história da WeWork é quase um resumo deste artigo, sobre como o EBITDA pode ser manipulado para criar uma ilusão de sucesso. Antes de sua tentativa fracassada de IPO em 2019, a empresa divulgava não apenas seu EBITDA tradicional, mas também um inventado “EBITDA Comunitário Ajustado” (o que piora ainda mais por soar como algo politicamente correto).
Esse indicador ainda mais bizarro retirava praticamente todas as despesas relevantes, como marketing, expansão e até certos custos operacionais.
O objetivo era um só: criar uma imagem de lucratividade que não existia.
Se a bolha da WeWork não tivesse estourado a tempo, muitos ainda estariam defendendo seu “lucro operacional” baseado em um EBITDA do mundo da fantasia.
O Caso Enron: A Tragédia Anunciada pelo EBITDA
Apesar de muito famoso, o caso da Enron talvez não seja tão conhecido por todos, já que aconteceu no início dos anos 2000 e acabou virando até filme.
O que aconteceu foi o seguinte: a empresa apresentava EBITDA crescente e impressionava o mercado com seus números ajustados, ignorando de maneira proposital o tamanho real de suas dívidas e os riscos escondidos em estruturas financeiras fora do balanço.
Tudo parecia perfeito, até que a farsa veio à tona: o caixa da Enron virava pó, e o que havia de lucro e geração de valor era, na verdade, uma invenção contábil enganosa.
O uso do EBITDA permitiu à Enron manter a aparência de empresa saudável e lucrativa por muito mais tempo do que deveria. Afinal, um indicador que desconsidera juros, amortizações, depreciação, impostos e ainda pode ser “ajustado” conforme a conveniência é terreno fértil para manipulação.
Quando os verdadeiros números surgiram, a empresa implodiu, levando junto bilhões de dólares de investidores iludidos. O caso da Enron é a prova de que confiar cegamente no EBITDA pode não apenas gerar decisões ruins, mas também custar muito dinheiro.
Conclusão
Tentei expressar minha opinião sobre esse indicador tão famoso. Mas será que já não está na hora de aposentarmos o EBITDA como métrica principal em alguns casos?
Não posso negar que ele tenha uma utilidade limitada. Mas utilizá-lo para tomar uma grande decisão, como comprar ou vender uma empresa, ou ainda para embasar decisões estratégicas, pode ser uma péssima ideia.
Num mundo ideal, avaliadores e investidores tenderiam a deixar o EBITDA de lado e focar mais em métricas como EBIT, NOPAT, lucro líquido ajustado ou, preferencialmente, fluxo de caixa livre.
E se dizem por aí que nenhuma métrica conta sozinha a história completa, o EBITDA, então, não consegue contar história alguma.
Mas será que, quando falamos em valuation, o EBITDA pode ser considerado o pior indicador? Talvez sim. E, justamente por isso, ele merece nosso ceticismo (e não nossa devoção) ou falta de pensamento crítico.

Cofundador Valutech, especialista em valuation e entusiasta em programação.
Certificado em Advanced Valuation (ministrado por Aswath Damodaran) pela New York University (NYU), Certificado em Valuation (Avaliação de Empresas) e Análise de Investimentos pela PUCRS, Certificado em International Business e Business Administration pela Universidade da Califórnia, Irvine (UCI) e Bacharel em Administração de Empresas (Linha de Formação em Tecnologia da Informação), PUCRS.