Sabe quem adora dizer que uma empresa “vale 10x o faturamento” ou “5x o EBITDA”? Alguém que não precisa assinar o cheque.
Pode parecer prático, sofisticado, mas para PMEs geralmente é um atalho que raramente traduz fielmente a realidade da empresa em termos de valor.
Como H. H. Munro costumava dizer: “Um pouco de imprecisão às vezes evita uma longa explicação.”
Múltiplos ignoram quase tudo que realmente pesa no valuation final de uma empresa. Margem apertada, tradição da empresa, carteira concentrada em dois clientes, dependência do dono, riscos ocultos, sazonalidade.
Nada disso aparece no tal “x”.
Trabalho com valuation há anos e posso afirmar que múltiplos são comparáveis que geralmente não comparam nada.
Eles deveriam servir para abrir uma conversa ou uma estimativa inicial, não para fechar negócio sem uma análise mais aprofundada.
Caso eu tenha conseguido conquistar sua atenção até aqui, peço que continue lendo, pois a seguir mostro como a avaliação por múltiplos, embora prática, possui mais limitações do que vantagens quando falamos em empresas privadas e PMEs no Brasil.
O que é avaliação por múltiplos de mercado?
A avaliação por múltiplos de mercado, ou avaliação relativa, é uma metodologia rápida para estimar o valor de uma empresa comparando-a com outras parecidas.
Em vez de projetar fluxos de caixa e descontar no tempo, ou ainda apurar seu valor contábil, você usa relações simples, como preço sobre faturamento, preço sobre EBITDA ou preço sobre lucro, por exemplo.
A matemática por trás é simples e direta. Se empresas parecidas foram negociadas por 4 vezes o EBITDA, e a sua gera 1 milhão de EBITDA, a estimativa inicial seria 4 milhões.
LEIA MAIS: EBITDA: Conheça o Pior Indicador Para Fins de Valuation
No mercado imobiliário, o método dos múltiplos aparece de forma muito clara, embora muita gente nem perceba. Corretores analisam imóveis semelhantes vendidos na mesma região, apuram o preço médio por metro quadrado e usam esse valor como referência.
Com esse número em mãos, multiplicam pela metragem do imóvel e chegam a um preço teórico de mercado. É o mesmo raciocínio de “múltiplos” usado em empresas, só que aqui a unidade comparativa é o m².
Utilize múltiplos como estimativa rápida de valor (e não como método principal)
Embora não exista um roteiro único para valuation, é comum começar com uma estimativa rápida por múltiplos e, na sequência, aprofundar com uma metodologia mais sofisticada, como o fluxo de caixa descontado.
Alguns avaliadores seguem o caminho oposto: calculam o valor pelo fluxo de caixa descontado e depois checam um múltiplo de referência para ver se os números “batem” ou possuem algum tipo de correlação.
Usar múltiplos como etapa preliminar ou como verificação secundária, e então avançar para um método de maior rigor técnico, aumenta a segurança e a precisão do resultado.
Apoiar a avaliação apenas em múltiplos abre espaço para erros de leitura. A seguir, mostro os principais.
Limitações em usar o método dos múltiplos em PMEs
Qualquer método de valuation possui limitações e desvantagens, e com os múltiplos não é diferente.
O problema é que no Brasil os múltiplos de mercado, em geral, são utilizados sem qualquer cuidado e coerência. Muitas vezes, ao analisar a construção de um múltiplo, por exemplo, passa a impressão dele literalmente ter sido construído de qualquer jeito.
Portanto, vamos elencar agora as principais desvantagens do método:
Problemas de amostra
Na minha visão, este é o maior ponto de atenção.
Em muitos casos, não há transparência sobre como o múltiplo foi construído. É comum aparecer um número solto, sem revelar qual foi a amostra de empresas utilizada.
Para que um múltiplo faça sentido ao vender uma prestadora de serviços no Sul do Brasil, ele precisa vir de empresas que, no mínimo:
- Atuam no mesmo setor.
- Têm porte semelhante.
- Estão na mesma região ou em regiões comparáveis.
- Apresentam margens e desempenho parecidos.
- Possuem tempo de mercado semelhante.
- Foram observadas em período recente.
Um exemplo ajuda a enxergar a distorção:
Imagine uma prestadora de serviços no Sul do Brasil, faturando 1 milhão por ano, com margem de 20%, e estamos em 2025. Se o consultor usa um múltiplo obtido de empresas de setores variados do Nordeste em 2022, a comparação perde validade.
Esse múltiplo vira ruído. Não serve para nada.
O mesmo problema aparece quando se usa, por conveniência, apenas múltiplos de empresas negociadas em bolsa de valores.
Além de a coleta ser mais fácil, a equivalência raramente existe. Na prática, comparar uma PME com uma empresa listada costuma reduzir a semelhança ao fato de ambas atuarem no Brasil, quando muito.
Setor específico, porte, faturamento, margens e maturidade do negócio quase nunca coincidem. E, no fim, um comprador dificilmente levará a sério um valuation baseado só no múltiplo de uma empresa de capital aberto.
Tentando resumir, use múltiplos apenas quando a amostra fizer sentido: empresas realmente comparáveis, dados recentes e verificáveis.
Caso contrário, a “referência” mais atrapalha do que ajuda.
Escassez de dados comparáveis
O problema de amostra começa na escassez de dados realmente comparáveis. Vendas de PMEs no Brasil quase nunca têm seus termos divulgados. E, quando algo aparece, costuma ser um número arredondado, sem muitos detalhes.
Mesmo quando há números, é difícil verificar.
E se são números difíceis de verificar e são apresentado por alguém que você não tem certeza de onde tirou ou como tirou, serão números difíceis de usar.
Nenhuma empresa é igual a outra
Por natureza, múltiplos comparam sua empresa a outras para estimar preço. Só que essa comparação apaga o que torna o seu negócio único.
Potencial de crescimento, qualidade da gestão, reputação construída, carteira de clientes, modelo operacional, cultura e história não entram nessa conta.
O resultado é um número que ignora o que realmente diferencia a sua empresa.
Lembrem-se: não existem duas empresas exatamente iguais.
Facilmente manipulável
Pouca gente comenta, mas é simples manipular o valuation com múltiplos.
O avaliador pode começar pelo fim, definir quanto quer que a empresa “valha” e, depois, escolher o múltiplo ou a amostra que entrega esse número.
Por isso, é importante saber como o múltiplo foi construído, quais empresas compõem a amostra e em que medida elas realmente se parecem com a sua.
Sem essa transparência, o resultado vira uma conta que só confirma o que alguém já queria ver.

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Valuation por múltiplos é precificação e não avaliação
Aswath Damodaran menciona inúmeras vezes que valuation por múltiplos é precificação e não avaliação.
O que isso significa?
Quando Damodaran diz isso, a ideia é simples.
Precificar é olhar para o que o mercado está pagando por ativos “parecidos” e ancorar seu preço nesse referencial.
Você usa comparáveis e sentimento do mercado para chegar a um preço.
Já avaliar, nas palavras dele, é estimar o valor intrínseco do negócio a partir de fluxos de caixa, crescimento, risco e tempo.
Um olha para fora, o outro olha para dentro.
Cuidado com os múltiplos “Frankestein”
Em alguns lugares você encontra múltiplos prontos, supostamente tirados de empresas listadas no Brasil e nos EUA (ou exterior), temperados com um misterioso banco de dados interno.
Falam em média ponderada, mas não aparece amostra, período, critério, nada. É pedir que você acredite no número sem ver a “cozinha”.
É por isso que eu chamo de múltiplos “Frankenstein”.
Utilizam pedaços de diferentes partes que nada tem a ver entre si e o resultado não é nada bonito.
Prefira o fluxo de caixa descontado
Embora não sirva para todos os casos, o FCD é o método mais usado em negociações e o mais referenciado na literatura.
Ele parte do que realmente move o negócio: receita, margens, reinvestimento, capital de giro e risco e traz tudo a valor presente, considerando tempo, perda do poder de compra do dinheiro e inflação.
Com isso, você consegue enxergar melhor quanto está abrindo mão ao vender sua participação e qual faixa de valor faz sentido, reduzindo arrependimentos.
Caso tenha interesse, fiz um vídeo falando em detalhes das vantagens e desvantagens do FCD, que explica muito bem porque você deveria utilizar essa metodologia.
Conclusão
Quando falamos em PMEs, múltiplos são úteis para ter uma noção inicial. Eles não capturam a realidade do seu negócio (e nem seu diferencial) e, sozinhos, podem te levar a más decisões.
Para saber se o valuation faz sentido, é preciso olhar como o negócio gera caixa ao longo do tempo e sob quais riscos.
Use múltiplos para ter a primeira estimativa, depois confirme com um modelo de fluxo de caixa descontado. Assim você troca um “cálculo rápido” por um modelo sólido que leva em consideração os aspectos mais importantes da sua empresa.

Cofundador Valutech, especialista em valuation e entusiasta em programação.
Certificado em Advanced Valuation (ministrado por Aswath Damodaran) pela New York University (NYU), Certificado em Valuation (Avaliação de Empresas) e Análise de Investimentos pela PUCRS, Certificado em International Business e Business Administration pela Universidade da Califórnia, Irvine (UCI) e Bacharel em Administração de Empresas (Linha de Formação em Tecnologia da Informação), PUCRS.